domingo, 4 de dezembro de 2011

Etanol -a revolução verde e amarela


Ozires Silva/Decio Fischetti – Etanol -a revolução verde e amarela.

Arsênio Corrêa *

São Paulo: Bizz Editorial, 2008

O livro em epígrafe documenta o que foi o desenvolvimento do etanol brasileiro, nas últimas cinco décadas.

Ao introduzir uma retrospectiva sobre a cana de açúcar no país, os autores acabam proporcionando aos leitores a oportunidade de conhecer inúmeras passagens históricas que, certamente, são do conhecimento apenas de uns poucos estudiosos.

De quebra, mostram com grande lucidez que o Brasil não começou ontem ou trasanteontem, enfatizando que, qualquer evolução tem seu prazo de maturação; e este depende de muitos fatores. Portanto o livro já chega contribuindo no sentido de que, nós brasileiros, não esqueçamos esta lição: o Brasil começou em 1500.
Em síntese, para bem compreender a consistência do desenvolvimento alcançado pela indústria sucro-alcooleira em nosso país cumpre ter presente que a cana de açúcar chegou em 1515. Aprendemos a fazer açúcar e nos tornamos os maiores produtores mundiais já nos séculos XVI/XVII. Não vem ao caso determo-nos nos percalços da indústria açucareira experimentados desde então questão que nem foi objeto do livro. Importa reter que são cinco séculos de familiaridade com esse tipo de atividade produtiva.

Vale registrar o momento histórico a seguir, na medida em que se trata de um período em que o setor passa a assumir feição mais próxima da atual. Assim, dentre as peripécias da produção e comercialização do açúcar no Brasil e no exterior, cabe destacar que a primeira guerra devastou a produção de açúcar de beterraba, na Europa, elevando os preços do produto. Para diversos cafeicultores paulistas surgia uma oportunidade de diversificação. São Paulo ingressa nesse ramo, até então centralizado no Nordeste e no Norte Fluminense. Assim, quando eclodiu a crise de 1929 passamos a defrontarmo-nos com a superprodução, fenômeno que já ocorria com o café. O governo saído da Revolução de 30, chefiado por Getúlio Vargas, torna-se intervencionista. No que se refere ao setor açucareiro criou em 1933 o IAA- Instituto do Açúcar e Álcool, que tinha por objetivo controlar a produção brasileira do produto. O Instituto introduziu sistema de cotas, atribuídas a cada produtor, abrangendo não só de açúcar mas também de Álcool.

O emprego do álcool como combustível é desse período. Segundo relata o Eng. Químico Henry Joseph Jr., citado no livro (à pág. 215) “havia um decreto-lei, de 1931, que determinava a mistura de 5% na gasolina importada...”. Naquele tempo o assunto dizia respeito à economia de divisas.

Nesse particular, a preocupação era muito mais antiga. O livro aponta o fato de que, em 1903, o presidente Rodrigues Alves inaugurou no Rio de Janeiro uma “Exposição Internacional de Aparelhos a Álcool”. Na mídia da época encontram-se afirmações desse tipo: “o querosene, importado do estrangeiro a bom dinheiro e que não tem as mesmas vantagens de higiene, duração e economia que a do álcool produzido em nossos engenhos, precisa ser, por este imediatamente substituído.”

Certamente que esse tipo de campanha, na época, revestia-se de conteúdo nitidamente ufanista. Não obstante, foi com esse espírito que chegamos a desenvolver programa de produção de energia renovável do porte do Etanol. O livro apresenta vários exemplos de projetos em busca daquele objetivo. O uso do álcool como combustível ocorria em várias localidades brasileiras, principalmente no Nordeste. O problema é que os veículos não estavam preparados para esse tipo de combustível alternativo, provocando corrosão impeditiva de uso permanente e generalizado. De todos os modos suscitava o problema a ser solucionado no decorrer do tempo.

A persistência acabaria fazendo emergir iniciativas de maior dimensão. Vale mencionar algumas que nos pareceram mais destacadas.

Os autores chamam a atenção para a importância de que se revestiu, para o desenvolvimento do setor, a criação no país da indústria de equipamentos destinados à fabricação de açúcar e álcool. Entre os precursores consignam o papel desempenhado pela DEDINI, empreendimento surgido em 1922, bem como pela ZANINI (surgida em 1950). Essas empresas contribuíram para a consolidação desse tipo de atividade industrial no país, sem o qual não teriam ocorrido os desdobramentos subseqüentes.

A par disto, foram muitas as tentativas de tornar o álcool um combustível viável. Entre estas, em 1930, uma locomotiva da Estrada de Ferro Central do Brasil foi adaptada para mover-se a álcool. A título de teste, fez o percurso Rio-São Paulo. Apesar do sucesso, a durabilidade do equipamento seria comprometida. Desde o inicio, um dos problemas era termos o veículo equipado com motor em condições de usar o novo combustível.

Dentre os passos que dariam maior atualidade ao tema destacam-se: a indústria automobilística que, a partir de 1950 tornou-se uma realidade no Brasil; e, em 1953 teve lugar a criação da Petrobras. Ambas iriam colocar, na pauta das nossas urgências, o assunto energia/combustíveis.

O marco tecnológico fundamental ocorre como decorrência da criação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em 1946. Tomando por modelo ao norte-americano MIT- Massachussets Institute of Tecnology, aquela escola de engenharia aeronáutica daria origem ao Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), como instituição de pesquisa. O CTA iria possibilitar a organização da indústria aeronáutica nacional, tendo incluído a questão do combustível alternativo entre as suas pesquisas prioritárias. Os autores indicam a Urbano Ernesto Stumpf, engenheiro e professor do ITA, pesquisador do CTA, como o mais importante cientista brasileiro no desenvolvimento do motor a álcool.

Em 1975 surge o PROÁLCOOL, programa criado em fins novembro, no governo Geisel. Instaurou no país a busca do combustível alternativo de forma definitiva. Apesar dos acidentes de percurso, seria o instrumento que iria nos permitir avançar até o patamar em que nos encontramos hoje.

A escalada dos preços do petróleo, desde 1971, explica a decisão do governo brasileiro. Contudo, segundo os autores da obra que ora comentamos, o fato decisivo seria o encontro entre o presidente Geisel e o prof. Stumpf. No livro, a fonte da informação seria o empresário paulista Bertelli, que compara o prof. Stumpf ao Professor Pardal, personagem da história em quadrinhos que passou a personificar a figura do cientista e pesquisador. Segundo esse depoimento, em 1975 o professor Stumpf conseguira adaptar, para funcionar a álcool, trinta motores da marca Volkswagen que haviam sido produzidos para mover-se a gasolina.

Através do Ministro das Minas e Energia, o citado empresário conseguiu promover uma visita do Presidente Geisel ao CTA. Apesar de que a construção em grande escala de motor que funcionasse alternativamente a álcool e a gasolina ainda exigisse a correspondente pesquisa tecnológica, as questões teóricas envolvidas no processo achavam-se plenamente definidas e testadas. O Presidente convenceu-se daquela possibilidade. Os estudos para a criação do que passaria a ser conhecido como PROALCOOL achavam-se concluídos. Contudo, a questão do motor era de fato o elo decisivo. Portanto, a tese do livro reveste-se de integral plausibilidade.

Na seqüência, o livro descreve todo o desenvolvimento do PROÁLCOOL, desde a sua organização, no período mencionado, até nossos dias. São apresentados inclusive os indicadores da produção, seus altos e baixos, uma visão abrangente do comportamento desse importante seguimento produtivo do país.

O interessante é que o setor açucareiro apresenta-se hoje amplamente diversificado: não mais se resume à fabricação de açúcar, pois também elabora álcool/combustível e ainda produz energia elétrica. Neste último caso, utilizando ao bagaço de cana como combustível, fornece o equivalente a uma usina das dimensões de Itaipu, que se inclui entre as maiores do mundo.

Depois de documentar exaustivamente o desenvolvimento da indústria que utiliza a cana como matéria prima, incluindo os derivados antes referidos, a obra contém uma avaliação do futuro dessa atividade econômica. A par disto, os autores apresentam várias entrevistas com ilustres brasileiros que tiveram participação relevante no desenvolvimento e implantação desse ousado projeto da sociedade brasileira.

Deste modo, Etanol -a revolução verde e amarela preenche uma lacuna na bibliografia dos estudos econômicos referentes ao Brasil devendo, por isto mesmo, merecer a correspondente acolhida em muitos ambientes, principalmente entre os jovens, pois se trata de conhecer e valorizar um trabalho feito por sucessivas gerações, de cujo empenho e dedicação todos os brasileiros se beneficiam.

Osíris Silva é nome conhecido amplamente no país por ter sido um dos criadores da EMBRAER, empreendimento que, entre outros, atesta a nossa condição de país industrial. A par disto, ocupou importantes cargos na administração pública, entre estes o de Presidente da Petrobrás e o de Ministro de Estado da Infra-Estrutura. Entre os livros que publicou precedentemente destaca-se Nas asas da educação: a trajetória da EMBRAER.

Décio Fischetti, engenheiro formado pelo ITA, tornou-se conhecido como especialista em design e marketing industrial. Na sua produção bibliográfica destacam-se os livros dedicados a popularizar o papel do ITA e do CTA.

Arsênio Corrêa
Com formação acadêmica na área do direito, Arsênio Corrêa tornou-se advogado dos mais conceituados na capital paulista. Paralelamente, foi professor e diretor das Faculdades Associadas de São Paulo, ministrando no período recente cursos do Instituto de Humanidades, entidade da qual integra o Conselho Acadêmico. Granjeou reconhecimento como estudioso do pensamento político brasileiro. Entre seus livros destacam-se: A ingerência militar na República e o positivismo (1997) e A Frente Liberal e a democracia no Brasil (2ª ed., 2006).
Revista Liberdade e Cidadânia

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