domingo, 24 de julho de 2011

O Fim dos Alimentos

Nathan Debortoli
Referência(s):

(tradução de Ana Gibson do original The end of food, 2008, Boston, Houghton Mifflin. ISBN 9780618606238., 416 pages), Rio de Janeiro, Elsevier, 364 p. ISBN 978-85-352-3208-0


Jornalista desde 1983, Roberts escreve e ministra palestras freqüentes sobre a interação complexa da economia, da tecnologia e do mundo natural. The End of Food seu livro mais recente, foi publicado em 2008. Roberts tem escrito também para jornais de prestígio como The Los Angeles Times, The Washington Post e The Guardian. Dá palestras frequentes sobre questões energéticas e outros recursos no Fórum Econômico Mundial (Davos), E.U. Environmental Protection Agency, Biotechnology Industry Organization (BIO) e o Council on Foreign Relations. A obra “O Fim dos Alimentos” conduz de forma interdisciplinar temas socioeconomicos, ambientais e institucionais.

Na narrativa de Roberts a crise dos alimentos é fundamentalmente econômica e de sustentabilidade, com raízes no excedente agrícola (primera fonte de troca geradora do comércio e do lucro) dando origem a um paradigma econômico explícito - o capitalismo - criador de escalas maiores de produção e um sistema globalizado de comércio de alimentos, propiciando a revolução industrial. Nesta obra o autor não pretende criar uma teoria da crise mundial dos alimentos, contudo, constrói uma amálgama teórica fundamentando e correlacionando aspectos explicativos do estado da arte da economia alimentar. Dividida em três seções e dez capítulos cronológicos a obra contempla conceitos da agricultura primitiva, bem como a evolução das diversas técnicas de cultivo e produção animal, perpassando tecnologias alimentares criadas na revolução industrial e a produção da agricultura moderna em larga escala, intensiva em insumos. Explica-se na obra que o novo modelo industrializado da agricultura tornou a fazenda um empreendimento racional - quanto maior a entrada de capital - fertilizantes, pesticidas, sementes - maiores os lucros. A pecuária e a agricultura intensivas de substâncias químicas degradaram a capacidade produtiva dos sistemas naturais.

A espiral tecnológica da crescente produtividade reduziu de forma generalizada os preços dos produtos no mercado, incrementando o poder de compra dos consumidores, contudo, gerando lento desastre para os produtores. Empresas farmacêuticas e petroquímicas engoliram os produtores pequenos e menos eficientes oligopolizando setores de insumos e sementes, assim como processadores detiveram a maior parte do mercado de carnes. Graças aos lobbies dessas empresasaboliram-se em muitos países leis e restrições quanto à procedência de produtos alimentícios. Tais prerrogativas geraram protocolos universais isentando de barreiras diplomáticas e comercias o mercado mundial de investidores da indústria de alimentos, como a Nestlé e o McDonald’s. Na sua crítica Roberts inclui conceitos de externalidades ambientais e sociais ocasionadas pelo consumo maciço dos recursos naturais, bem como a escassez iminente das fontes de energia que propiciam essa produção (e.g. o petróleo e atualmente a água) e demonstra como todos fatores se interrelacionam gerando a insustentabilidade socioambiental da economia alimentar.

De acordo com Roberts a revolução do setor do varejo deu-se pela seguinte lógica: (a) agricultores são reféns dos (b) insumos, que são providos por (c) multinacionais petroquímicas e farmacêuticas que agregam valor aos produtos enviados para (d) grandes marcas que processam os alimentos e (e) distribuem alimentos acabados ou semi-acabados para varejistas que são (f) controlados pelo preço e a demanda do mercado. (g) Os quais criam suas próprias marcas (setor supermercadista) de menor qualidade e com menor valor de venda (genéricos) (h), usurpando o poder de venda de redes menores que fundem-se para criar poucas grandes redes varejistas (i), aumentando o custo do produtor primário e alimentando a hegemonia varejista. Neste processo os produtos alimentícios ganham alto valor agregado devido ao marketing embutido. Cadeias varejistas como Walmart contabilizam cada centímetro das prateleiras para vender os produtos de maior receita, utilizando-se de itens não alimentícios geradores de taxas de lucros mais elevadas para subsidiar de forma eficaz a venda dos alimentos.

Ao mesmo tempo que populações de países do norte (desenvolvidos) e do sul (em desenvolvimento) lutam contra as consequências da dieta moderna, como a obesidade, doenças cardíacas e diabetes, uma em cada sete pessoas no mundo vive em estado de “insegurança alimentar”. A busca por produtos mais saudáveis e sustentáveis tem sido limitada por meio das fronteiras dos limites fiscais, estruturais e técnicos do setor alimentício. A cultura just-in-time obriga produtores a entregarem produtos em tempo recorde; os alimentos viajam globalmente portando patógenos, estimulando a contaminação por mutações de vírus como a gripe suína, gripe aviária e salmonella. O just-in-time diminuiu a oferta de empregos por meio da logística e reduziu os níveis salariais. Por um lado estimulou a superprodução via exigência de alimentos de aparência perfeita; e por outro, varejistas exigem que produtores comprovem que a produção é efetuada da forma mais barata possível. Reduzindo a capacidade dos produtores de lidar com contratempos como: greves, brechas nas cadeias de abastecimento e surtos de doenças.

Alternativas como impostos de sustentabilidade dos alimentos vêm sendo discutidas no congresso norte-americano. Os preços dos alimentos dependeriam de suas externalidades na produção e de seus possíveis benefícios ou danos á saúde. Inexoravelmente propostas desse tipo são barradas por político patrocinados por produtores de alimentos. Do ponto de vista ecossistêmico, a agricultura é a maior poluidora dos sistemas aquáticos pois utiliza amplamente o nitrogêneo juntamente com organofosfatos encontrados nos pesticidas. A produção agrícola a curto prazo agrava a extração e a exploração de recursos naturais e humanos dos quais depende sua produtividade a longo prazo. Os produtos transgênicos são alívios temporários para a escassez de alimentos. Para além desses existem limites biológicos na produção de carnes e de alimentos em geral. A redução do estoque de terras agricultáveis e a redução de outras culturas em favor do milho e da soja escassearam diversas fontes de alimento em detrimento da produção da carne.

Tendo a agricultura industrial esgotado as suas capacidades renovadoras, a nova agricultura sustentável surge como alternativa de maior consciência sobre os limites naturais. Tendo automaticamente diminuído a obsessão por soluções tecnológicas e milagres científicos da trasngenia. Pesquisas demonstram que milhares de fazendas de pequeno e médio porte têm adotando a produção diversificada/rotação, mais eficientes que o agronegócio monocultor. Novos modelos de agricultura sistêmica natural reintegram gado e lavoura, cultivando plantas que estimulam o ciclo de nutrientes complexos. Os alimentos tendem a se tornar mais sociais, engendrando a revalorização do agricultor. Os números da agricultura orgânica já alcançam cifras altas de concorrência em relação à agricultura industrial, com maior valor agregado e menor poluição. Esse sistema contudo ainda sofre embates com forças do mercado, que descaracterizam os seus fundamentos principais.

“O Fim dos Alimentos” captura a atenção do leitor pela detalhada análise da lacuna e do paradoxo crescente entre a economia alimentar moderna e as bilhões de pessoas que deveriam ser alimentadas por ela. Roberts elucida meticulosamente como o varejo desenvolveu uma cadeia de produção de alimentos baseada na alta lucratividade e nos preços baixos para o consumidor. Explica como a iminente catástrofe da escassez alimentar é reflexo da produção mundial de commodities, do oligopólio empresarial e do consumo maciço de alimentos industrializados. Este livro é de leitura obrigatória para indivíduos que preocupam-se com os alimentos, seus hábitos de consumo, e como a produção mundial ditará a sobrevivência no planeta.. Um prato cheio para quem deseja atualizar-se e aprofundar conhecimentos relativos a complexa rede de elementos que envolve uma de nossas fontes primordiais de vida: os alimentos.

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