domingo, 10 de julho de 2011

A cultura historiográfica nos anos 80: mudança estrutural na matriz historiográfica brasileira


DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 80: mudança estrutural na matriz historiográfica brasileira, IV. Porto Alegre, Evagraf, 1993, 202p.

Luiz Ricardo Michoelsen Centurião
Professor de Antropologia
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Em recente publicação, o historiador Astor Antonio Diehl aborda as formas como têm sido conduzidas as discussões a respeito da cultura brasileira no que se refere à constatação do surgimento de uma profunda crise de orientação ligada à débacle marxista e weberiana, no horizonte da modernização e da razão positiva.
Conforme Diehl, a partir de época recente reria ocorrido um "vácuo" tanto nas orientações de reconstrução do, passado como nas de percepção do futuro. Não haveria, conforme o autor citado, condições teórico-metodológicas de enfoque das possibilidades reais da modernidade, e isto se constitui num dos temas centrais de seu trabalho.

No âmbito das expectativas sociais e culturais não haveria como sustentar e validar as sínteses gerais de experiências reconstruídas do passado. Este fato seria acompanhado pelo direcionamento do olhar historiográfico para as pessoas concretas e seu subjetivo horizonte de experiências. Teríamos então ao nível de ação dos historiadores, a substituição das orientações holísticas para uma fragmentação configurada no terreno da Micro-história, da Antropologia e da Pós-modernidade.

A crise das teorias historicistas, conforme o autor, teria gerado um retomo à história cultural, restringindo-se o espaço tradicional de uma história utilitária que pudesse justificar atos políticos e ideológicos enquanto situações estruturais.

No contexto específico do movimento dos Annales, abordado na obra em questão, faz o autor referência à busca de contatos, pela História, com outras ciências sociais e humanas, particularmente e Etnografia e a Antropologia. Esta tendência teria conduzido a uma "antropologização" da História, dando-se isto tanto pela alternativa dos estudos do cotidiano como também pela poderosa influência de Michel Foucault, embora esta "antropologização" já estivesse ocorrendo anteriormente pelo contato com o estruturalismo de Lévi-Strauss, mesmo que de forma ambígua.

Considera também o autor que na "Nova História" incrustada no grupo dos Annales, deu-se simultâneamente com a recusa a apelar a sistemas teóricos de sustentação, uma inclinação a negar a cientificidade da História, sendo remetida esta ao campo da narrativa associada a técnicas de quantificação valorizadas por si mesmas. Tal fato ocorreria incorporado a um processo de fragmentação da História através da criação de micro-sistemas, e isto se refletiria na produção histórica brasileira.

No panorama da historiografia nacional, o estudo das mentalidades teria garantido seu lugar desde os anos 1980, embora já anteriormente alguns trabalhos como Visão do Paraíso, de Sergio Buarque de Holanda, já tangenciassem esta problemática. Posteriormente, surgem nomes como Carlos Guilherme Mota, Anita Novinsky, Laura de Mello e Souza e outros. Por detrás destes autores teríamos, como fonte de inspiração historiográfica, Walter Benjamin e Michel Foucalt.
Quanto à aproximação da História com a Antropologia, tornar-se-ia importante considerar a concepção antropológica de relativismo que despreza, na ótica do novo historiador, qualquer idéia de monocausalismo ou sentido único. Isto ocorreria em detrimento das Histórias Políticas, Econômicas e Sociais, ou seja, as grandes sínteses.

Mas se a nova cultura historiográfica dos anos 80 no Brasil promove uma mudança na matriz do conhecimento histórico, esta mudança não pode ser desvinculada da formação específica desta área de estudos em nosso país, e daí surge a necessidade de fazer-se um balanço das diversas tendências.
Nesta questão, dever-se-ia incluir a consideração da conceptualidade das categorias de Modernização e Modernidade, atualmente questionadas intensamente.
Apesar disto, temos a comprovação no Brasil, até a década de 70, de uma perspectiva otimista tanto na orientação respeito ao passado como nas perspectivas em relação ao futuro. Isto ocorre previamente à emergência de crises e revisionismos que se dão pela década de 80 quando ocorre uma queda do otimismo e uma convulsão no pensamento historicista brasileiro. As tradições marxistas e weberiana teriam dado um atestado de fracasso frente aos problemas gerados pela modernização. A produção histórica teria se tomado indisciplinada frente ao conhecimento sobre o passado. As noções de progresso e tempo linear são detectadas por sua inoperância, no cerne da crise da razão histórica moderna.

Desta forma, estamos diante de uma época de impasses, de desintegração dos valores orientadores da concepção do pensamento histórico. A utilização daquilo que constitui o pós moderno não contribui, por seu lado, para gerar expectativas otimistas, uma vez que pouco ou nada traz de novo. Diante deste quadro, o que se vê é uma tentativa, por parte de certos historiadores nacionais de resgatar uma mitológica do passado, tentando a recuperação das fontes de brasilidade.

Resignação e fraqueza são os Termos empregados pelo autor para caracterizar a atual situação. A própria aproximação da História à Antropologia, com a utilização de conceitos específicos a esta disciplina, tais como "descrição densa" e outros, são vistos por Diehl sob uma ótica pessimista, uma vez que esta aproximação revelaria uma incapacidade da cultura histórica de enquadrar-se e disciplinar-se metodologicamente por si mesma.

Revista Horizontes Antropológicos

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