quarta-feira, 25 de agosto de 2010

PROFESSORES DO BRASIL: IMPASSES E DESAFIOS


PROFESSORES DO BRASIL: IMPASSES E DESAFIOS. Bernardete A. Gatti (coord.) e Elba Siqueira de Sá Barretto Brasília: Unesco, 2009, 294 p.

Um estudo abrangente e alentado sobre a formação de professores e o exercício da docência na educação básica é apresentado neste livro, lançado há poucos meses pela Unesco. O trabalho oferece um panorama da inserção profissional dos professores no cenário socioeconômico e cultural do país, bem como examina aspectos centrais da sua formação. As autoras recuperam pontos-chave da legislação que rege os modelos de formação docente e analisam os gargalos das licenciaturas presenciais, os desequilíbrios presentes nas grades curriculares dos cursos superiores, agora encarregados de preparar os professores de todas as etapas da educação, e também discutem as características e as divergências relativas às licenciaturas a distância. Informações relevantes acerca do perfil dos universitários que procuram a docência, dos cursos de formação continuada e da carreira docente completam a análise da atual condição dos professores no Brasil.

O primeiro capítulo reúne, com muita propriedade, dados extraídos principalmente da Relação Anual de Informações Sociais - Rais -, realizada pelo Ministério do Trabalho, e da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio - Pnad -, efetuada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE -, aliando essas informações às do Censo Escolar da Educação Básica, feito pelo Ministério da Educação, para apresentar o cenário da profissão docente. Os professores correspondem ao terceiro maior grupo profissional no total de empregos formais no país, sendo que mais de 80% deles ocupam postos públicos de trabalho. Ou seja, além do seu importante papel cultural, mobilizam uma enorme carga orçamentária do Estado, ângulo de análise que merece ser mais bem explorado pelos estudos da área. O texto traça um perfil socioeconômico dos docentes e levanta algumas características do seu trabalho. Ao final reitera a preocupação com a quantidade de professores ainda não formados no ensino superior ou na sua área de atuação e considera a distribuição desigual de oferta pública e privada de vagas nos cursos superiores.

Ao referir-se, no capítulo 2, aos marcos legais dos cursos de formação de professores, o estudo traça o percurso da formação docente desde o curso normal, a habilitação magistério, os Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento para o Magistério - Cefans -, os Institutos Superiores de Educação até a recente deliberação que atribui, à graduação em Pedagogia, a responsabilidade pela formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental e da educação infantil. As autoras alertam para a complexidade dessa tarefa, que se sobrepõe à formação de especialistas em educação, e para os riscos de simplificações na elaboração de matrizes curriculares que comprometem o preparo específico para a docência nesses cursos.

O terceiro capítulo focaliza a formação inicial para a docência em termos da distribuição da oferta e demanda de vagas no país e conclui que as condições de formação dos professores, de modo geral, ainda estão muito distantes de serem satisfatórias. Mostra que a preparação de docentes para o ensino básico está sendo feita sobretudo pelo setor público nas regiões com economia menos dinâmica. Entre as instituições públicas do país, destacamse as estaduais nessa tarefa.

As licenciaturas a distância são tratadas no capítulo 4, de forma a compor uma visão ampla e crítica sobre um tema emergente e complexo. O texto traz numerosas informações e referências que podem subsidiar outros estudos na área. Nas análises empreendidas, as autoras resgatam iniciativas de sucesso nessa modalidade e também apontam dificuldades, contradições e fragilidades observadas em sua expansão. Valorizam o potencial de democratização do ensino superior por essa via, ao mesmo tempo em que expressam o temor, fundamentando as suas apreensões, de que o ensino a distância possa resultar em formação ainda mais precária que a oferecida pelos cursos presenciais.

No capítulo 5, Gatti e Barretto se reportam a estudo que discute os currículos dos cursos que formam os docentes do ensino fundamental, englobando as licenciaturas em Pedagogia, Letras, Matemática e Ciências Biológicas. A análise destaca a desproporção entre a carga horária das disciplinas referentes à formação profissional específica e das outras disciplinas, em detrimento das primeiras. Registram a preocupação com a falta de articulação entre teoria e prática nos currículos examinados, bem como com a desvalorização das licenciaturas no modelo brasileiro de universidade.

A síntese a respeito de quem são os estudantes universitários das carreiras que conduzem à docência, apresentada no capítulo 6, sistematiza informações coletadas pelo Exame Nacional de Cursos - Enade - em 2005, referentes aos estudantes de Pedagogia e demais licenciaturas. De um modo geral eles conjugam trabalho e estudo, e muitos são oriundos de famílias de baixa renda. As informações sobre o sexo dos alunos corroboram outros dados sobre a feminização da carreira docente, notadamente nos cursos de Pedagogia. Chama a atenção o fato de a maior parte dos estudantes não demonstrar grande interesse pela docência; esta aparece como uma segunda opção de atividade profissional.

No capítulo 7, são mencionadas as principais iniciativas de modalidades especiais de formação de professores, voltadas para docentes das redes públicas sem titulação em nível superior. Trata-se de um bom conjunto de referências na área e as autoras destacam como contribuição de alguns desses programas o cuidado com o planejamento do currículo e dos conteúdos, os quais têm como foco as habilidades profissionais básicas para o trabalho na escola e em sala de aula.

O tema da formação continuada é abordado no capítulo 8, em que são citadas experiências bem-sucedidas. Aponta-se para uma reconceitualização da educação continuada, a qual passa a incluir o reconhecimento de uma experiência profissional preexistente que serve de base para o desenvolvimento de novos conceitos e concepções. Alerta-se também para o fato de que a formação continuada acaba, muitas vezes, por funcionar como uma educação compensatória em vista da necessidade de suprir lacunas geradas por dificuldades na formação inicial dos docentes.

As condições profissionais dos professores são contempladas no capítulo 10, no que tange à carreira e ao salário de docentes da educação básica. O rendimento médio dos professores é mais baixo se comparado a outras profissões que exigem nível superior, mesmo diante daquelas consideradas profissões femininas. Há indicações de que ainda são tímidas as iniciativas para a elaboração de planos de carreira docente que contemplem a possibilidade de progredir na carreira sem precisar abandonar a sala de aula. Salário e carreira são, portanto, dois aspectos muito ligados ao futuro do ensino no país e ao interesse manifesto pelas novas gerações para ingressar na docência.

Por fim, Gatti e Barretto, ao considerarem a complexidade dos temas educacionais e os muitos desafios para superar os problemas detectados, ressaltam a necessidade de ultrapassar interesses político-partidaristas e de adotar estratégias articuladas entre as diferentes instâncias formadoras de professores e as que os contratam como profissionais, com o fito de buscar soluções que tornem possível a melhoria da qualidade da educação oferecida no país.

Marina Muniz Rossa Nunes
Pesquisadora do Departamento de Pesquisas
Educacionais da Fundação Carlos Chagas
mnunes@fcc.org.br

Fundação Carlos Chagas

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