domingo, 18 de julho de 2010

As pulsões e seus destinos: do corporal ao psíquico


Para desvendar o pensamento da psicanálise

Regina Herzog

Psicanalista, professora associada III do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia/UFRJ. rherzog@globo.com

As pulsões e seus destinos: do corporal ao psíquico, de Joel Birman. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, 161p. (Para Ler Freud)

A proposta da coletânea Para ler Freud é a de apresentar os textos freudianos de maneira concisa e didática. Com relação a alguns trabalhos de Freud, trata-se de uma tarefa oportuna. Com relação a As pulsões e seus destinos, trata-se, mais do que de uma tarefa, de um desafio.

Primeiramente, por se tratar de um texto da maior importância no que se refere à densidade conceitual, sendo necessário, para percorrê-lo, estar familiarizado com vários outros conceitos, para não dizer com praticamente toda a trama psicanalítica.

Em segundo lugar, porque muitos são os que não lhe dão o devido relevo, por fazer parte do que Freud denominou "a metapsicologia", considerando que de pouco serve no âmbito da clínica o conceito de pulsão.

De fato, o objeto da investigação psicanalítica é o inconsciente e o conceito de pulsão é concebido como aquilo que dá fundamento ao inconsciente e às suas formações. Daí a considerar a teoria pulsional de pouca serventia no trato com o sofrimento psíquico, é um pequeno passo.

Ora, dentre os vários méritos desta publicação de Joel Birman, decerto o mais importante é o fato de ter justamente abalado esta ideia. Na verdade, poderíamos dizer que o modo como ele se propõe abordar o texto parece atender a este objetivo: mostrar que o ensaio "As pulsões e seus destinos" é um trabalho da maior relevância tanto no plano conceitual quanto clínico.

É claro que 'esta aventura', como afirma o autor, não é sem riscos. Ela implica uma tomada de posição, exigindo que se enfrente "as contradições, dúvidas, impasses e os vários paradoxos" nos quais o texto nos lança. Apenas a título de ilustração das dificuldades que este pequeno grande livro aponta no ensaio freudiano, coloca-se a pergunta: a teoria pulsional se insere em uma visada científica ou não passa de bruxaria? Freud, ele próprio, já se indagava sobre isso. E Birman, fiel ao texto freudiano, buscou mostrar como e por que este conceito foi forjado, com o intuito não de responder às questões colocadas por Freud, mas de refletir criticamente para permitir fazer o próprio texto trabalhar.

Assim, começando por situar este ensaio de 1915 no seio da proposta freudiana, Birman ressalta em que medida sua elaboração teórico-clínica se distingue do que vinha sendo feito, tanto no campo da medicina quanto no da psicologia em fins do século XIX, início do século XX.

Daí a importância não só de uma contextualização histórica, mas também epistemológica, tal como aparece nos capítulos II e III do livro. No capítulo II, Birman conduz o leitor aos primeiros textos freudianos para mostrar como o discurso do criador da psicanálise vai "realizar uma leitura outra da psicologia". E é com este intuito que vai forjar "a palavra e o conceito de metapsicologia". É a partir da crítica à psicologia que Freud vai forjar 'o sujeito no além da psicologia', empreendendo o que Birman designa como um "descentramento do sujeito dos registros do eu e da consciência". Com estas ferramentas, chegamos ao conceito de pulsão, o que dá fundamentação teórica aos fenômenos inconscientes.

Embora os primeiros capítulos tenham como objetivo maior esta contextualização, Birman já mostra, desde aí, que a ênfase deve ser colocada na "experiência clínica" como "condição concreta de possibilidade" da constituição da metapsicologia. Isso é demonstrado ao trazer a questão da 'histeria e anatomoclínica'.

No capítulo seguinte, 'Epistemologia freudiana', a discussão se centra no âmbito epistemológico propriamente dito, permitindo trazer para a cena o conceito de pulsão. A explanação de Birman sobre o discurso científico e sobre a preocupação de Freud em sustentar a cientificidade da psicanálise é extremamente rica, fornecendo a base para entender este complexo ensaio que será trabalhado nos dois capítulos seguintes.

Nestes, o autor oferece, ao mesmo tempo, todos os elementos para pensarmos a clínica quando descreve a montagem e o circuito pulsionais. Poderíamos dizer que sua exposição é muito mais que um simples resumo das ideias contidas no ensaio freudiano. Temas como sexualidade, excitações pulsionais, aparelho psíquico, questão corpo e psique ganham destaque nesta discussão.

Com o último capítulo, denominado 'Destinos', vamos encontrar uma leitura crítica da maior relevância para a clínica psicanalítica, mostrando como "o ensaio sobre as pulsões na Metapsicologia é uma passagem teórica fundamental no discurso freudiano que conduzirá inevitavelmente à segunda teoria das pulsões e à segunda tópica". Com isto, Birman avança no texto freudiano, trazendo uma problematização que só vai se dar depois de 1920 e que comporta, dentre várias, a questão do outro, do desamparo e do masoquismo.

Por tudo isto é lícito afirmar que, mais do que a "leitura de um clássico da psicanálise", conforme pretende o autor, este pequeno grande livro nos oferece a leitura do pensamento da psicanálise.

Revista Ágora

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