sábado, 19 de junho de 2010

Viking Age Iceland


Johnni Langer
Doutor em História - UFPR. Professor da Universidade do Contestado (SC), e Faculdades Integradas de Palmas (PR)


BYOCK, Jesse L. Viking Age Iceland. London: Penguin Books, 2001. Ilustrado, 448p.

A imagem mais popular a respeito dos Vikings é a de imensos guerreiros saqueadores, matando e pilhando nas costas européias com seus capacetes de chifres (esta última, uma fantasia criada no séc. XIX1). Uma avassaladora quantidade de estudos e publicações vem revisando essa imagem nas últimas décadas, concedendo uma outra faceta à antiga cultura nórdica. Em especial, o livro Viking Age Iceland é um dos mais promissores representantes dessa tendência. Escrito por Jesse L. Byock, professor de Escandinávia Medieval na Universidade da Califórnia, que já publicou dezenas de estudos em revistas especializadas, além de consultoria para enciclopédias, documentários de televisão e reportagens jornalísticas sobre o tema.

A obra em questão é um verdadeiro compêndio dos estudos de Byock desde a década de 1970, inseridos dentro da mais atualizada historiografia. O autor consegue congregar diversas áreas do conhecimento, como Arqueologia, Antropologia, História, Literatura e Geografia Física. O livro é fartamente ilustrado com muitos recursos gráficos, como mapas e croquis, que além de facilitarem na identificação dos pontos tratados no texto, acabam proporcionando uma interessante comunhão entre a perspectiva geográfica e histórica.

A principal problemática do livro é tentar solucionar a contradição levantada por James Bryce em 1901: como a sociedade islandesa conseguiu tornar-se criativa e independente politicamente, sob condições totalmente desfavoráveis? Para esse intento, foi utilizado como principal elemento teórico a noção de cultura do antropólogo Melville Herskovits. Para Byock, o foco cultural da Islândia teria sido a lei, a sua estrutura jurídica e suas dependências para soluções legais. Graças à lei coletiva, os Vikings conseguiram vencer seus obstáculos, criar uma sociedade original e um Estado independente.

O capítulo inicial concede uma visão conceitual da História Viking, principalmente a origem das migrações partindo da Escandinávia do século IX d.C., que não obedeciam a nenhuma política organizada. Uma das mais importantes contribuições do autor nesse momento, é a respeito da palavra Viking. Através de farta documentação, Byock consegue esclarecer definitivamente a sua origem etimológica: não era um termo que designava toda as etnias escandinavas (como se pensava desde o Setecentos), mas somente aplicado aos aventureiros, piratas e colonizadores que saíam além mar. Mas o que unificava culturalmente os nórdicos? A religião e a língua (Old Norse), e no caso dos imigrantes instalados na Islândia, as futuras Sagas.

Escritas como uma espécie de "socorro" aos recentes moradores do inóspito, com formas coerentes de senso, definindo quem eles eram, seus valores tradicionais – importantes para a auto-imagem dos migrantes que vinham de terras diferentes e distantes. Segundo Jesse Byock, as Sagas constituem verdadeiras aberturas na História para observar a vida privada, social, os valores e a cultura material dos primeiros Vikings no Atlântico Norte. Sem serem contos folclóricos ou puramente romances, as Sagas são descrições realistas sobre os confrontos entre os fazendeiros e seus chefes. Tratando dos conflitos e situações de crise, as Sagas narram tanto virtudes quanto defeitos, assim como banalidades ou humores da vida cotidiana.

A partir do segundo capítulo, "Resources and Subsistence", o historiador inicia sua meticulosa reconstituição do cotidiano dos primeiros islandeses. Mais do que em outras regiões, os Vikings da Islândia tiveram que adaptar-se às severas condições do ambiente geográfico encontrado. Isso pode ser constatado nas técnicas de construção das habitações, os tipos de materiais e o modo de vida dentro das moradias ao longo do ano. Byock concede especial atenção ao mais famoso sítio arqueológico da Islândia – Stöng – cujas casas originais foram reconstituídas em 1974. As habitações de Stöng foram feitas com revestimento de tepe, originando grande aquecimento interno, fator primordial de sobrevivência naquelas paragens. Este sítio foi muito bem preservado devido à erupção do vulcão Hekla em 1104, constituindo-se numa espécie de Pompéia Viking.Além da cultura material, o autor também percebeu a relação entre fatores sociais e impacto ambiental, uma tendência muito atual na arqueologia mundial, à exemplo das pesquisas nos sítios da Ilha da Páscoa (Pacífico) e Meso-América (especialmente os Maias).

No terceiro capítulo, "Curdled Milk and Calamities", Byock examina as dificuldades da vida no Atlântico Norte. Os problemas mais comuns eram a fome e o surgimento de doenças contagiosas. Uma das alternativas que os migrantes encontraram para escapar dessas crises foi as Hreppar, associações de comunidades visando a cooperação mútua das famílias de fazendeiros. A coleta de produtos alternativos do mar, como algas marinhas (söl) e peixes garantiam a sobrevivência da comunidade.

A discussão da estrutura da sociedade escandinava é um do pontos fortes da análise de Byock, examinada nos capítulos 4 a 15. Quem ocupava uma posição estratégica na sociedade islandesa eram os goðar, os chefes. Estes eram encarregados de facilitar a redistribuição da riqueza, a transferência de propriedades e terras, alianças, organizar festas e banquetes, presidir a cultos religiosos, recolher taxas e tributos. Ocasionalmente ocorriam disputas entre os goðar pelo controle de uma região, encerradas muitas vezes pelo Althing (assembléias), fóruns para encontros dos homens livres e aristocratas. Essas assembléias extinguiram os chefes com poderes supremos ou coercitivos – os reis, típicos da Escandinávia medieval - resolvendo todos os interesses dos fazendeiros. Com a presença do Althing, até o goðar atuava como igual dentro dessa sociedade.

Mesmo assim, as situações de conflito existiam. As comunidades nórdicas da Islândia conservaram culturalmente os valores militares da terra de origem, somadas às realidades da nova paisagem, e quando envolvidos em disputas mantinham a postura dos guerreiros Vikings. Os tipos de conflitos mais comuns eram os combates (warfares), ocorridos em pequena escala, a nível individual ou familiar, e que só desapareceram da Islândia no fim do Estado livre (século XIII). O motivo para o surgimento dos combates era a vingança de sangue - parentes ou amigos tentando vingar alguma morte. Essas animosidades chegavam a durar várias gerações, mas algumas vezes consistiam apenas em trocas de insultos contra a honra e acabavam em indenizações para a família da vítima. Quando o confronto era resolvido pelo Althing, as punições variavam entre o banimento da ilha até a morte. Um famoso banido por assassinato foi Erik, o vermelho, que acabou colonizando posteriormente a Groelândia. Também quem não seguia as regras da sociedade podia ser banido pela assembléia.

Outro aspecto muito original da sociedade islandesa tratado por Byock foi o casamento. Quando a mulher casava, não abandonava sua linhagem familiar. Ela continuava ligada ao parentesco original, assim como seus filhos (ambos submissos ao pai da família). Para beneficiar a política do clã, muitos casamentos eram arranjados para favorecerem alianças. Mas se a união não produzia filhos ela estava encerrada. Muitas mulheres islandesas casavam diversas vezes, e nem a idade ou a perda da virgindade era um empecilho. Apesar de citar pesquisas especializadas como as de Nanna Damsholt, o autor não chegou a aprofundar o papel da mulher na sociedade Viking.

Do mesmo modo, quando trata da religião, Jesse Byock acaba sendo muito superficial. Em seu livro, ele explorou apenas os aspectos mais importantes, como alguns atributos de deidades. O mais importante deus do Atlântico Norte foi Thor (deus do trovão, das tempestades), muito cultuado pelos fazendeiros e navegadores. Seu nome está conectado a enorme número de pessoas e lugares. Outro deus muito popular é Freyer (deus da fertilidade e sexualidade). Já Odin é o deus dos guerreiros e aristocratas, adorado por uma elite reduzida. Os Vikings islandeses também acreditavam em espíritos guardiões chamados Landvaettir, presentes em diversas regiões da ilha. Infelizmente o autor não aprofundou o tema do paganismo na Islândia, sendo que em três páginas, somente duas são dedicadas a citar o texto original da escavação do túmulo pagão de Patreksfjord, na década de 1960 por Thórr Magnússon.

A religião é explorada em maiores detalhes por Byock nos quatro últimos capítulos da publicação, que analisam o período de conversão da ilha ao cristianismo. Inicialmente, as tentativas de conversão foram frustadas, como a empreendida pelo rei norueguês Olaf Tryggvason, sendo que muitos santuários e imagens das divindades foram destruídos. Posteriormente, durante a assembléia nacional do ano 1000, foi adotado na legislação o cristianismo como religião oficial. Pela importância atual da Islândia no renascimento dos cultos pré-cristãos no século XX e pela popularidade da mitologia Viking, Byock afastou-se de uma interessante possibilidade teórica, ao deixar de refletir sobre a religião nos primeiros séculos de ocupação da ilha. Por exemplo, a mulher escandinava pagã podia divorciar-se e ter propriedades, algo impensável no mundo cristão medieval. Como a transição para o cristianismo afetou essa tradição na sociedade islandesa?

De qualquer maneira, a obra Viking Age Iceland de Jesse Byock é uma ótima referência aos medievalistas, tanto pelas suas propostas metodológicas quanto pela importância que o tema dos escandinavos vem adquirindo nos últimos tempos. Mas também é uma valiosa contribuição aos sociólogos, arqueólogos e historiadores do direito. "By then the Vikin Age was long past". Com certeza a imagem que fazemos sobre os nórdicos está cada vez mais distante do pensamento oitocentista, o que nos aproxima ainda mais da Idade Média e suas possibilidades de novos estudos.

1 LANGER, Johnni. The origins of imaginary Vikings. Viking Heritage Magazine, University of Gotland/Centre for Baltic Studies (Sweden), vol. 4, dez. 2002.

Revista de História - USP

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