sexta-feira, 25 de junho de 2010

The Expansive Moment: The Rise of Social Anthropology in Britain and Africa, 1918-1970


GOODY, Jack. 1995. The Expansive Moment: The Rise of Social Anthropology in Britain and Africa, 1918-1970. Cambridge: Cambridge University Press. 235 pp.

Ana Claudia Cruz da Silva
Mestranda, PPGAS-MN-UFRJ

Por ocasião da morte de Meyer Fortes, Jack Goody foi convidado a escrever seu obituário. Para isto, pesquisou arquivos em Gana (onde Fortes realizou boa parte de suas pesquisas), na London School of Economics e no International African Institute. Tendo em mãos esse material e ouvindo recorrentes comentários de antropólogos americanos e russos sobre a "natureza conservadora" (:5) da antropologia britânica com relação ao império colonial, Goody pensou em escrever The Expansive Moment. O livro não pretende relatar a história da antropologia social britânica, embora possa ser uma boa fonte sobre suas linhas de pesquisa entre os anos 30 e 60.

A obra teria dois objetivos centrais: o primeiro, mapear as relações entre instituições e profissionais da antropologia, passando por questões que envolveriam ensino, pesquisa, financiamento, institucionalização e expansão da disciplina. Apesar de suas lembranças pessoais e de seus contatos com contemporâneos e membros da geração anterior, Goody faz questão de apoiar sua pesquisa somente no material encontrado nos arquivos, o que inclui, além dos documentos institucionais e papers, várias correspondências pessoais que, como ele mesmo ressalta, não apresentam nada que não pudesse ser de domínio público, sendo que os aspectos mais pessoais somente são utilizados na medida em que são relevantes para o desenvolvimento da antropologia social britânica.

O segundo objetivo seria derivado do primeiro. Goody pretenderia, a partir da exposição das redes de relações e dos movimentos que perpassam a antropologia britânica neste momento, negar a tese da submissão da disciplina às autoridades coloniais, defendendo-a da acusação recorrente de que seria "filha do colonialismo" (:3), e atribuída principalmente à antropologia americana dos anos 60 e 70, embora Goody não explicite os "acusadores".

O período abrangido pela pesquisa é composto por três gerações de antropólogos, cujos atores principais em cada uma delas são Malinowski e Radcliffe-Brown, na primeira; Fortes, Evans-Pritchard e Gluckman, na segunda; e o próprio Goody, na terceira. Essas três gerações viveram o período de maior expansão da antropologia social britânica, que Goody explica como o momento em que se fez a crítica da antropologia praticada anteriormente (tentativas de reconstrução do passado, comparações globais, trabalhos de campo mal feitos etc.), e em que houve um grande incremento dos financiamentos para pesquisa associado à presença de pesquisadores altamente motivados.

Goody assume que ter sido um país colonizador foi um importante elemento para o desenvolvimento da antropologia na Grã-Bretanha, mas o mesmo teria acontecido em outros países, não sendo esse, portanto, um "privilégio" britânico. Havia realmente antropólogos do governo ligados aos serviços coloniais, mas tratava-se de administradores que faziam o curso de etnologia a fim de poder lidar melhor com os grupos que governavam. Essa era uma prática muito comum desde o início da antropologia, quando lhe foi destinada a incumbência de formar os funcionários coloniais. Goody lembra ainda que o mesmo acontecia na França e na Alemanha, afirmando que o próprio Mauss deu cursos para administradores das colônias francesas. Nesses dois países, o acúmulo de dados sobre grupos africanos coletados por esses "etnógrafos" estaria mais avançado do que na Grã-Bretanha, porque nessa época o interesse do governo britânico estaria concentrado na Índia. Em relação aos antropólogos profissionais, Goody ressalta que boa parte deles tinha uma linha de pensamento de esquerda, influenciada por Marx e Freud, e estavam envolvidos com os movimentos pela independência dos países que estudavam. Alguns teriam, inclusive, optado pela antropologia em conseqüência de sua participação nesses movimentos.

Além disso, Goody chama a atenção para o fato de que uma parte considerável dos antropólogos apoiados pelos programas de financiamento não era de origem britânica, o que também trazia problemas em uma sociedade como a inglesa. Esses dois elementos - a formação de esquerda e a nacionalidade não britânica dos antropólogos beneficiados com recursos para pesquisa - são outro argumento importante de Goody contra a idéia da colaboração entre a antropologia e o governo.

Aqui vale registrar que o autor propõe uma problematização do que representava, nesse contexto, ser "de esquerda" ou "de direita". Goody sustenta que Fortes e Evans-Pritchard, por exemplo, foram mudando suas idéias ao longo de sua trajetória, sendo que o primeiro tinha uma posição mais "radical" do que o segundo que, principalmente devido à sua origem social, permanecia mais próximo da classe governante. É sabido também que Malinowski e Radcliffe-Brown nunca demonstraram tendências propriamente revolucionárias. Essas informações poderiam significar que o pensamento marxista, na verdade, não tinha uma influência tão forte quanto se supunha, estando mais presente entre os antropólogos em início de carreira do que naqueles que realmente dominavam a antropologia.

Segundo Goody, foi Malinowski o grande articulador da profissionalização da antropologia na Grã-Bretanha, que teria ocorrido depois da Primeira Guerra Mundial. Sua habilidade para levantar recursos foi responsável pela expansão do campo de pesquisa nessa época. E, em relação a isso, um dos pontos importantes na argumentação de Goody é que o maior financiador das pesquisas, a Fundação Rockefeller, era americano. A ajuda de órgãos estrangeiros somada aos demais aspectos já apontados implicaria uma grande desconfiança por parte dos administradores das colônias em relação aos pesquisadores, negando ainda mais a possibilidade de uma relação de cooperação entre eles.

Goody alega que, financeiramente, a antropologia não era dependente do governo colonial e, por isso, não estaria subordinada a ele. Inicialmente, os recursos provinham de um órgão filantrópico da Fundação Rockefeller, o The Laura Spelman Rockefeller Memorial, que mais tarde passou a ser a Division of Social Sciences. A criação do Colonial Social Science Research Council na Grã-Bretanha e, algum tempo depois, do International African Institute fazem parte de uma política da Fundação Rockefeller que estimulava a criação de vários conselhos de pesquisa no mundo, para os quais repassava fundos. Ainda que não ocupasse nenhum cargo, Malinowski influía de maneira significativa nessas instituições: na primeira seleção dos pesquisadores que seriam beneficiados, apenas um não era seu aluno; todos os financiados eram obrigados a assistir seus seminários e recebiam treinamento de trabalho de campo; além disso, Goody relata que Malinowski dirigia a distribuição dos recursos (exercia "patronagem" (:26)) e estes eram sempre negados, por exemplo, para Evans-Pritchard, que fazia oposição a ele, o que o teria levado a estabelecer uma forte ligação com Radcliffe-Brown (:16). Este, por sua vez, foi diretor de outro conselho de pesquisa, também criado pela Fundação Rockefeller, o Australian National Research Council.

Outro argumento de Goody a favor da autonomia da antropologia social seria o de que os interesses da Fundação Rockefeller não coincidiam com os interesses da antropologia e ambos não coincidiam com os do governo britânico. Os pesquisadores não estavam interessados em estudar as relações de contato cultural - objetivo da Fundação -, mas em fazer um estudo profundo das sociedades nativas às quais estavam se dedicando, até mesmo porque não queriam conflitos com as autoridades locais, o que certamente ocorreria caso estudassem os impactos causados nas populações pela presença do colonizador. No entanto, creio que tal autonomia tinha limites e que, se os pesquisadores não perseguiam o tema recomendado pela Fundação, ao menos apresentavam resultados que lhe satisfaziam. Penso que a aproximação entre a Fundação e Malinowski não se deu apenas pela identificação da primeira com os métodos do segundo, como sugere Goody, já que toda relação é uma via de mão dupla. Assim, é possível especular que a própria ênfase malinowskiana na questão do trabalho de campo tenha se dado também em função dos interesses da Fundação enquanto financiadora dos projetos. No capítulo final, Goody chega a apontar nessa direção ao dizer que os aspectos utilitários da antropologia britânica são resultado "dos desejos de seu patrão americano dominante, a Fundação Rockefeller" (:145, ênfases minhas). As referências aos desejos do patrão americano significam mais que uma pequena submissão sem interferência no trabalho.

O mesmo ocorre com as informações relativas à participação efetiva de antropólogos pertencentes ao International African Institute junto aos governos coloniais e à ligação de Evans-Pritchard com o governo colonial do Sudão. Esse tipo de envolvimento poderia contradizer, ou ao menos problematizar, a tese central de Goody. De fato, não é possível determinar com precisão que os antropólogos não colaboravam com o governo porque eram de esquerda ou porque dele não recebiam verbas, nem que colaboravam porque deveriam obedecer aos "patrões" financiadores para continuar recebendo os fundos. Penso que todos esses fatores fazem parte das determinações que guiavam as ações sociais e os destinos da antropologia britânica. O problema é o fato de Goody fornecer todas essas informações sem relacioná-las entre si.

Enfim, The Expansive Moment é um livro instigante na medida em que expõe, para falar como Bourdieu, as "lutas de classificação" da história social da antropologia, que geralmente não se percebe como um campo social a mais, tendendo a pensar-se como imune aos mecanismos que agem nos demais campos sociais e que ela própria se atribui como tarefa descobrir e analisar.

Revista Mana

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