quarta-feira, 28 de abril de 2010

Aleijadinho e o aeroplano o paraíso barroco e a construção do herói colonial


GRAMMONT, Guiomar de. Aleijadinho e o aeroplano o paraíso barroco e a construção do herói colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, 320 páginas.

Adalgisa Arantes Campos
Professora do Departamento e Programa de Pós-graduação em História da UFMG. Pesquisadora do CNPq, membro do Comitê Brasileiro de História da Arte. Av. Antônio Carlos, 6627, Caixa Postal 253. Belo Horizonte – MG- CEP. 31.270-901. adarantes@terra.com.br

O título sugere uma obra literária – a autora é escritora e dramaturga por vezes premiada -, contudo trata-se de Tese em Literatura Brasileira (USP, 2002), com estágio na École de Hautes Études em Sciences Sociales sob orientação de João Adolfo Hansen e de Roger Chartier, seus apresentadores. Guiomar de Grammont tem ainda formação em História e Filosofia, o que define o seu enquadramento metodológico, fundamentado, sobretudo na História Cultural francesa – cujas categorias e o próprio esquema de articular a reflexão dominam boa parte da produção intelectual nas últimas duas décadas no Brasil. Compreende-se também o pendor para o estudo da retórica e da abordagem com o viés político. Assim, Grammont se dirige ao leitor traquejado com tais conteúdos e paradigmas norteados para a realidade histórico/cultural.

Como estudiosa das manifestações artísticas das Minas Gerais não posso deixar de registrar alguns problemas na obra de Grammont. Primeiramente ela dialoga muito com autores de obras esparsas ou até de um único texto, pouco ou nada com aqueles que pesquisam há mais de 20 anos e que possuem uma trajetória importante. É omissa aos trabalhos acadêmicos (dissertações e teses), o que a leva a achar que os estudos sobre o fazer artístico/artesanal foram interrompidos com Barroco, Artes e Trabalho, de C. Boschi (1983), e que depois de Hannah Levy não houve nada digno para ser lido sobre o assunto estampas e modelos. Ora, na Biblioteca do Bispo e os arquivos paroquiais dessa microrregião (Ouro Preto e Mariana) existe acervo expressivo de livros ilustrados que pertenceram às fábricas paroquiais e às confrarias que vêm sendo alvo de estudos sistemáticos por estudantes de pós-graduação. A autora maximiza as referências a Leituras e leitores, de Chartier, com muitas recorrências a Luiz Villalta, permanecendo omissa aos acervos confrariais que indicam a presença dos grandes centros editorais da época.

Como só acredita no que vê empiricamente, à moda de São Tomé, a autora considera que as informações deixadas por viajantes e cronistas, bem como a Memória dos Fatos Notáveis do Vereador de Mariana e a biografia do Bretas foram baseadas em um boato veiculado pela tradição oral: Como "não há nenhum documento que se refira a Antônio Francisco Lisboa como O Aleijadinho" (p.85) ele é uma construção baseada na memória popular. Será que um aleijado, assinaria documentos colocando tal alcunha?

Tal desapreço à memória e representações coletivas seria sanado com uma consulta a "O mito do Aleijadinho" de Roger Bastide, divulgado em Psicanálise do CAFUNÉ e estudos de sociologia estética Brasileira, de 1941. O enfoque sociológico de Bastide valorizou pontos de conexão entre a tradição oral e os dados históricos. Já naqueles idos de 1941 a origem da mitologização era remetida ao pensamento e à epopéia gregos, que enfatizavam os feitos do herói, distinguindo o artista como um ser especial, de talento raro, um desregrado, que não se submetia às regras válidas para os comuns mortais (Plotino). Dentro dessa visão o artista não tem limites: enfrenta grandes desafios, a fatalidade (heróis gregos, Homero, Mozart, Beethoven, o Corcunda de Notre Dame, Rimbaud, Aleijadinho...); a expiação física e moral é assumida com grandeza, embora possa converter o artista em um mal humorado e incompreendido socialmente. Desse modo, o povo sofredor se identifica nesse artista-herói (no caso de Aleijadinho, mestiço e doente) e em sua via-sacra pessoal.

Pretendendo "desconstruir", a autora não poupa os que tiveram empreendimentos hercúleos (principalmente Mário de Andrade, Sylvio de Vasconcellos) e estrangeiros como G. Bazin, R. Smith e J. Bury. Aliás, mostra aversão clara à geração heróica do IPHAN, como se ela vivesse alienada e alienando. Entretanto, ela ora "bate" ora "sopra". Omite Affonso Ávila, organizador de Modernismo, coletânea em que se insere o magistral "Modernismo, uma reverificação da Consciência Nacional", de Francisco Iglesias. De Myriam de Oliveira destaca texto de 1983, ao invés de sua brilhante tese publicada como O Rococó Religioso no Brasil. Não se o critério para a comparação quando se coteja um texto eventual de Ana T. FABRIS (p. 176), com trabalhos substanciosos que se enquadram dentro do método filológico, que coteja obras realmente datadas com fonte primária e que se empenham em estabelecer datação, características de mestres e respectivos ateliês, técnicas e materiais empregados.

Não obstante o tom pernóstico com aqueles que trabalham em órgãos de inventariação e preservação, vistos como se estivessem (todos eles) em conluio com colecionadores (p.119), a obra é bastante ousada, bem articulada e escrita, tornando-se doravante consulta obrigatória dos estudiosos da área.

Revista Varia História

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