terça-feira, 3 de novembro de 2009

De costumbres y leyes: abigeato y derechos de propiedad en Chihuahua durante el porfiriato


Edméia Ribeiro*


LOPES, Maria Aparecida de S. De costumbres y leyes: abigeato y derechos de propiedad en Chihuahua durante el porfiriato. México, DF: El Colegio de México, Centro de Estudios Históricos; Zamora, Michoacán, México: El Colegio de Michoacán, 1995.

Encanta-nos a história do México, e seus personagens povoam a nossa imaginação. São vários, como aqueles de chapéu com aba larga que chegou até nós através da televisão e do cinema, ou os revolucionários, com Emiliano Zapata ou Pancho Villa, lutando por um país mais justo. Fica marcado em nós, também, o caráter, a veia revolucionária desse povo, no passado, lutando pela independência política e pelo direito de todos os homens à terra e à sobrevivência, contra a ditadura de Porfírio Díaz e, no presente, com o movimento zapatista reclamando justiça e cidadania aos índios e pobres marginalizados.

O México, no contexto da história hispano-americana, traz, assim, um aspecto singular no tocante à política, cultura e seu povo. E, para seu bem e/ou seu mal, a proximidade geográfica com os EUA contribuiu para a construção dessa trama peculiar em todos os aspectos acima citados.

Para os estudiosos, interessados e apreciadores da história da América, o livro De Costumbres y leyes: abigeato y derechos de propiedad en Chihuahua durante el porfiriato configura-se em uma obra com tema aprazível e pesquisa minuciosa. É mais uma produção no campo da História Social, que se ocupa da problemática dos movimentos sociais na América Latina. Embora privilegiando o final do século XIX até 1910 – ano de início da Revolução Mexicana –, também cumpre uma função importante, que é a de propor um outro olhar para a história do México e os mitos construídos pela historiografia, literatura e mídia que representaram o homem do norte mexicano como personagem peculiar, marcado pelo seu caráter "indômito". Dessa forma, este livro convida-nos para além de uma nova reflexão acerca do período em que Porfírio Díaz esteve no poder, instiga-nos a uma revisão da história do México e do próprio conceito de movimentos sociais.

A autora organizou a apresentação e estruturação da escrita do seu trabalho privilegiando a coerência textual e, no encaminhamento das discussões, poupou o leitor leigo – e também o acadêmico – de textos truncados por discussões teóricas e metodológicas. Elas se apresentam no texto diluídas nas análises das fontes e, quando necessário, em subcapítulos curtos e bastante objetivos. Optou por fazer uma introdução a cada início de capítulo para apresentar objetivos, método utilizado para explorar as fontes, assim como uma apresentação da documentação e das análises permitidas por ela ou pelas lacunas. Também encontramos mapas, gráficos e dados catalogados, sempre para mostrar de diversas formas o resultado da pesquisa que podemos apreciar neste trabalho.

Um outro aspecto importante e interessante dessa obra diz respeito à documentação utilizada. Maria Aparecida Lopes optou por fazer a análise dos personagens estudados partindo dos discursos de poder. Para isso utilizou como fonte processos judiciais encontrados no Archivo del Supremo Tribunal de Justicia Del Estado de Chihuahua, e enriqueceu sua pesquisa fazendo uso também de boletins, periódicos e coleções da época. No entanto, entende que trabalhar com expedientes judiciais traz o problema da fragmentação das informações por tratar-se de apenas um olhar – o jurídico –, de discursos direcionados pela especificidade dos crimes e pelo fato de um processo criminal seguir normas, regras para sua conformação. Mesmo assim, estabelece leituras e análises possíveis e verossímeis.

Nesta pesquisa a autora analisa o final do século XIX e início do XX, momento considerado por parte da historiografia como sendo de "ordem", em função do governo autoritário de Porfírio Díaz. Esse processo de transformação vivenciado pelo México foi promovido por um período de auge econômico. Contou com investimentos internos e externos (grande parte foi de capital norte-americano) na indústria da mineração, na pecuária, nos meios modernos de transporte – a ferrovia –, na comunicação e na agricultura para exportação (mesmo que em menor escala). As transformações não se deram apenas no aspecto econômico. Foram introduzidos novos valores, advindos da ideologia liberal, corroendo costumes e relações mediadas por laços de parentesco ou comunais e empreendendo um outro modelo de organização social controlado pela lei escrita. Dessa forma, o Estado, antes debilitado e ausente, passou a exercer maior controle na vida dos indivíduos, e a modernização da sociedade objetivou romper com as formas tradicionais de convivência e costumes dos povos, que impediam a maximização dos recursos sociais que as elites mexicanas desejavam.

No período analisado nesta obra, caracterizado por uma relativa estabilidade política, econômica e social, as rebeliões campesinas, expediente que denotava insatisfações, diminuíram em todo o estado. Chihuahua – espaço físico estudado pela autora –, no norte do México, vivenciou no final do século XIX um espetacular crescimento econômico no âmbito da indústria da mineração e pecuária nesse momento, no entanto, apresentou também um grande crescimento de criminalidade, embora diferente na forma e na intensidade dos movimentos coletivos dos camponeses. Essa transformação no modelo e nas formas de delito durante o porfiriato foi o que instigou Lopes a realizar esse estudo sobre o "complexo fenômeno da criminalidade, especialmente o furto de gado e outras atividades delictivas", considerando-as como forma de descontentamento social. Pretende perceber, através desses crimes, quais eram atos isolados e quais podem ser interpretados como forma de resistência.

En el trabajo se discuten el desarrollo económico, el fortalecimiento de las instituciones jurídico-administrativas en México a fines del siglo XIX y principios del XX y su impacto en la vida cotidiana de los actores sociales catalogados como "fuera de la ley". El análisis centrado en Chihuahua permitirá conocer su evolución histórica, así como su relación con los eventos de carácter nacional durante el período comprendido entre los primeros años del porfiriato hasta 1910. De esta manera se podrán marcar algunos límites históricos acerca de la criminalidad en diferentes momentos de la historia del estado. (p.21-2)

Para a autora, os registros de furto de gado nesse período coincidem com uma série de mecanismos criados para defender a propriedade privada, que regulamentava aspectos relativos à empresa pecuária. A promulgação de leis e o aprimoramento dos códigos penais refletem e constituem-se em instrumentos dessas transformações ocorridas no México e, no caso desta obra, em Chihuahua.

Este estado vivenciou, em fins do século XIX, um vertiginoso crescimento nos setores da mineração, ferrovia e pecuária. O incremento das atividades nesses ramos conduziu a uma transformação incipiente também nas relações de trabalho. A proximidade com os EUA e os investimentos vindos de lá, da mesma forma, induziram a esse "estado de crescimento e desenvolvimento", inclusive no tocante ao combate do "problema indígena" na região (devido à presença de índios apaches e comanches, constantes ataques e rebeliões indígenas – além das terras que ocupavam).

Com a mudança nesse panorama, tornou-se muito rentável o investimento na pecuária. Assim, pode-se perceber neste momento propriedades com água, cercados para que o gado não se locomovesse muito para não perder gordura e o mercado consumidor garantido, fruto do poderoso e vantajoso intercâmbio entre EUA e México.

A mineração e a agricultura também tiraram vantagens do crescimento da produção de gado, uma vez que as espécies caballar, mular y asnal eram imprescindíveis como animais de carga e para o trabalho com a terra. Essas espécies também eram utilizadas no transporte de metais e mercadorias, uma vez que as ferrovias estavam, em grande parte, concentradas nas zonas de produção de gado (o deserto, os vales e a serra).

Neste sentido, leis foram elaboradas e colocadas em prática com mais rigor, com intuito de controlar a produção de gado e todos os seus ramos e dominar as ações desses atores sociais, pois a vigilância era necessária em função das freqüentes transgressões.

O padrão de criminalidade e a característica dos julgados, nesse momento, também se apresentavam de uma outra forma. Não se tratava mais de bandos de desordeiros, despossuídos ou desempregados. Os atores desses crimes declaravam-se possuidores de um ofício, e não estão à margem do mundo do trabalho. Como "mecanismo de controle social", os aparatos da justiça com a promulgação de decretos e leis foram fortalecidos na intenção de regular as manifestações da vida cotidiana dos indivíduos. Atrás da lei, havia uma intenção "moralizadora" e "educadora" do governo a seus cidadãos, como pressuposto para proteger a propriedade privada, os negócios da elite regional e os investimentos do capital estrangeiro.

A Constituição de 1887 fortaleceu o poder do estado e os meios de coação, em detrimento das competências dos municípios. Foram também instrumentalizados Códigos e Decretos no final do século XIX e início do XX para afiançar a segurança pública ("Ley general para juzgar a los ladrones, homicidas, heridores y vagos", de 1861). Em Chihuahua, as reformas jurídico-administrativas vieram acompanhadas de um cuidado maior com a segurança, na figura das polícias rurais e corpos auxiliares nos distritos. A educação também se configurou num outro signo de reforma, com a perspectiva de construir uma sociedade com pessoas independentes e ilustradas.

A prática reformadora em Chihuahua deveu-se ao processo de desenvolvimento, pois principalmente na capital a migração e a onda de indivíduos estrangeiros intensificaram-se, e esse fluxo de pessoas modificava o panorama das cidades.

Estudos mais tradicionais mostram a delinqüência como um fenômeno da urbanização. Em Chihuahua, não foi o crescimento das cidades o responsável pelo aumento da criminalidade. Nota-se que os distúrbios sociais estão vinculados ao fenômeno da propriedade. Na maioria dos processos instaurados nesse período a propriedade privada é o alvo mais freqüente. Assim, as transformações incidiram nos padrões de criminalidade do Estado e em novos protagonistas de "desordem social".

Através dos libros estadísticos del Supremo Tribunal de Justicia del Estado entre 1886 e 1897 (Estadísticas Criminales del Estado de Chihuahua), a autora traça um perfil dos fuera de la ley desse período.

O mapa físico de Chihuahua ajuda a definir os padrões de criminalidade. Este estado, dividido em zonas semidesérticas, vale e serra, diferencia-se em seus recursos naturais e aproveitamento. Dessa forma, a criminalidade está setorizada de acordo com a especialização econômico-regional.

Os casos que se destacam nesse final de século são os de abigeato (roubo de gado), nas regiões voltadas para a pecuária e regiões de fronteira com os EUA. O número de leis e medidas contra o roubo de gado, em Chihuahua, nesse momento da população é sugestivo, o que mostra a relevância histórica do abigeato no contexto que a autora estuda.

O perfil do tipo criminal também se transformou. Não sobressai mais o bandoleiro, solteiro. Os julgados por furto de gado, na maioria das vezes, são casados, com um ofício – estavam inseridos em um amplo universo de ocupações – e a atividade delictiva não representava o modo de vida desses indivíduos e tampouco era uma prática cotidiana. Estavam inseridos em um amplo universo de ocupações.

El perfil de los enjuiciados que propongo es en realidad una clasificación de un sector de la sociedad chihuahuense insertado en el proceso de desarrollo económico y refleja precisamente la tensión y la ambivalencia de la forma en que estos actores sociales fueron introducidos en esta 'modernización' de la sociedad. Fue justamente esta 'transición' la que posibilitó el incremento de las penas para las infracciones vinculadas, por ejemplo, con la regularización de la propiedad privada. (p.174)

O abigeato como crime de maior incidência no estado de Chihuahua envolve uma rede de cumplicidades: abigeos, administradores de fincas e até mesmo proprietários, o que demonstra que o roubo de gado acabava convertendo-se em um negócio – com a tentativa de burlar as novas leis de regulamentação da produção e do comércio de animais.

Os argumentos mais recorrentes utilizados pelos julgados para livrar-se da pena referente ao crime são "os costumes" e a "não intencionalidade". Com as palavras da autora "... la 'falta de costumbre' respondía a un patrón de comportamiento que chocaba con el orden formal de la justicia" (p.206).

Outro motivo alegado pelos acusados de abigeato e roubo se referia ao desconhecimento da ilicitude de seu ato, ou seja, ignorância da lei respectiva. Essa alegação mostra como as transformações políticas, econômicas e judiciais geraram conflito entre a tradição, os costumes e as leis.

Para Lopes, o roubo, os delitos sociais, são percebidos como uma forma de descontentamento social ou rebeldia, e mecanismos de resistência às contradições relativas ao processo de expansão econômica e como forma de adaptação do sistema.

Para concluir, reafirma a importância do binômio ganadería-abigeato como agentes de transformação sociais em Chihuahua e a conseqüente importância histórica desse tema para o estudo do norte mexicano. A documentação utilizada – a judicial – permitiu conhecer personagens "anônimos" no contexto da história social, nesse final de século XIX mexicano, e os movimentos ante a dinâmica e as transformações no tocante à prática política, econômica e social.

Podemos considerar que este livro, que é o resultado da tese de doutoramento de Maria Aparecida Lopes, traz-nos leitura agradável, tema instigante e uma grande contribuição aos estudos dos movimentos sociais na América hispânica.



NOTAS

* Professora de História da América do Departamento de História da UEL – Universidade Estadual de Londrina. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da Unesp – Universidade Estadual Paulista –, Campus de Assis.

Revista Historia - UNESP

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