terça-feira, 28 de abril de 2009

A imagem congelada


Lúcia Nagib

o significado deste livro ultrapassa o fato de cristalizar a estrutura metodológica de Bellour, celebrizado sobretudo por seus textos nos "Cahiers du Cinéma". "Entre-Imagens" é também o diagnóstico fiel de um período da história do audiovisual, os anos 80, ao longo dos quais foram escritos os ensaios reunidos no volume.
Era então a época áurea da vídeo-arte -ou "do" vídeo-arte, como preferiu com razão a tradutora, fazendo prevalecer o masculino do "vídeo". É justamente com base no vídeo que Bellour desenvolve a noção de "entre-imagem", ou da imagem congelada, que produz uma interseção entre o cinema e a fotografia, num processo no qual o vídeo cumpriria o papel de "passagem".
Esse congelamento é pensado por dois prismas básicos, ou "gestos", segundo Bellour, que recusa o termo "análise". O gesto inaugural seria o do artista que insere imagens estáticas no "transcorrer" do tempo/movimento fílmico. Exemplo primordial: o fotograma congelado de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), no final de "Os Incompreendidos", de François Truffaut. O espelho desse primeiro gesto seria o do crítico ou teórico, paralisando a imagem fílmica ou de vídeo na mesa de montagem ou com o simples apertar de botão em seu aparelho de vídeo-cassete. Essa equiparação do gesto autoral com o crítico tem consequências decisivas na metodologia de Bellour, como espero deixar claro adiante.
Antes é preciso frisar o papel preponderante, mesmo de "avanço", segundo o autor, que desempenha o vídeo nessa configuração, em função "da especificidade indiscutível da imagem eletrônica". Não dependendo da foto estática ou do fotograma, ele é a própria definição da entre-imagem, já que, mesmo paralisado, é fluido, incapturável: "É a variação e a própria dispersão". O vídeo se compõe de "imagens-passagens", de "espaços em que é preciso decidir quais são as imagens verdadeiras".
Está claro que Bellour embarca na utopia do vídeo, que reinou nos anos 80 e que tão rapidamente esmoreceu no limiar dos 90. Com ligeira hesitação e contendo o excesso de euforia, afirma que "o vídeo relança uma utopia que vem acompanhando o cinema desde seu nascimento. A utopia de uma escrita inacreditável, nunca vista nem ouvida".
Não vale a pena entrar aqui no crepúsculo precoce e melancólico do vídeo-arte e da atração rapidamente volatizada de suas correspondentes instalações, nestes anos 90. Mesmo porque a base de Bellour é ainda e sempre o cinema. À parte os vídeo-artistas de sua preferência, Thierry Kunzel à frente de todos, sua escolha recai no velho panteão eleito pelos primeiros críticos dos "Cahiers": Hitchcock, Lang, Ophuls, Bergman, Rossellini e Godard, naturalmente. A base de análise constitui, como para os pioneiros dos "Cahiers", a literatura, de Mallarmé a Freud, de Henry James a Proust.
O "approach", no entanto, é inteiramente diverso da crítica tradicional dos "Cahiers". Foge-se sistematicamente de qualquer contextualização. Estamos longe das preocupações realistas e sociais do fundador da crítica cinematográfica francesa, André Bazin, citado no livro apenas como arcaica referência. Foi-se pelos ares também a teoria do autor, outrora acalentada pelos "Cahiers": os nomes de artistas aparecem como simples rótulos de atitudes, "gestos" congelados em imagens. Autor e história interessam pouco ou nada a Bellour, cuja preferência se direciona claramente para o experimentalismo, ou melhor, para o cinema experimental cuja evolução natural seria a vídeo-arte. Como consequência, rejeita a narratividade linear (ressoa, na pág. 38, a frase de Malarmé em "Coup de Dés": "Evite a narrativa"), em favor da sobreposição ou fusão de imagens que, de novo, resultariam na "pregnância" da imagem congelada.
Eis, portanto, o que interessa a Bellour no cinema: o que ele chama de "instante pregnante". Mas o que seria isso exatamente? A "aura" que Walter Benjamin encontrava no tempo passado e congelado na imagem fotográfica? Ou o "punctum" que, para Barthes, designava o fragmento de irracional inominável na fotografia? Bellour aflora esses dois autores, sem se encontrar em nenhum deles por inteiro. E estende-se em definições que têm por princípio não serem definitivas. Esta, por exemplo, a respeito do filme "La Macchina Ammazzacattivi", de Roberto Rossellini:
"Desses momentos em que o filme é assim penetrado pela fotografia, dir-se-á que se tornam instantes pregnantes. (...) O instante da fotografia, por mais comovente que seja, e por mais próximo que esteja da pose (...), sempre é, por força das circunstâncias, um 'instante decisivo', arrancado à realidade. Não se pode considerá-lo pregnante a não ser em relação à inversão do tempo e à inscrição da morte da qual ele se torna o índice, e que é o trauma, o assunto secreto que duplica seu assunto aparente".
A morte: bem, chegamos a algum lugar. "A morte do filme, que é o início da vida", completará Bellour. Mas de novo as questões abundam. O limite entre cinema-vídeo-foto e vida: seria esse o foco de interesse? Não, o autor não parece diretamente interessado na discussão da vida real. A imagem congelada como "parada", o "ékstasis", o gozo, enfim, do artista, que funde o paradoxo vida e morte? Bellour não vai até aí, embora se prolongue sobre os atos eróticos interrompidos de "Numéro Deux", de Godard, por exemplo. O gozo, então, do crítico, congelando a seu bel-prazer a imagem vídeo-fílmica, finalmente arrancada a seu contexto, individualizada, "privatizada", por assim dizer, para uso próprio do observador? Talvez...
Bellour é sem dúvida um virtuose da palavra, na boa tradição francesa. Seu texto flutua numa espécie de balé elegante sobre uma multiplicidade de assuntos que o fascinam pelo lustro da aparência, mas nos quais o autor não ousa mergulhar as mãos "até os cotovelos" (como recomendava o velho Sartre em "As Mãos Sujas"), talvez com receio de macular com rudezas concretas a harmonia estética das imagens que escolhe.
Na introdução ao livro, na qual seu estilo atinge o auge do brilho, procura definir as cinco partes em que pretendeu agrupar os ensaios: a primeira, explorando a intercomunicação cinema-vídeo-televisão, tendo por eixo os vídeos de Thierry Kuntzel; a segunda, dedicando-se à relação cinema-fotografia; a terceira, detendo-se na analogia fotográfica operada pelo vídeo; a quarta, refletindo sobre quatro vídeo-instalações; e a última, culminando com elaborações sobre o auto-retrato. A leitura sequencial, porém, não oferece propriamente fronteiras entre essas partes. O leitor tem a impressão de girar numa valsa envolvente, que retoma eternamente o mesmo tema sem jamais se deter ou chegar a uma resolução.
Tocados pela varinha mágica da linguagem virtuosa, artistas tão diferentes como Kuntzel, Antonioni, Hitchcock ou Terayama parecem estar tratando do mesmo assunto. Nenhum deles parece ter país ou língua de origem, história própria, preocupações sociais ou políticas. Tomado dessa maneira, o cineasta e dramaturgo experimentalista Shuji Terayama, por exemplo, em seu derradeiro trabalho "Video Letter", ressurge como se estivesse simplesmente envolvido numa "ego-trip" -quando na verdade seu questionamento da identidade individual está intimamente relacionado com a uniformização e coletivização da sociedade japonesa.
Se todos os artistas estão, no fim das contas, falando apenas de si, mas se eles mesmos, em si, não interessam, só se pode concluir que o que interessa é apenas aquele que deles fala. "Auto-retratos" é portanto o título acertado para o ensaio final desta obra extremamente auto-referente de Bellour, cuja proposta aparece não como a descoberta de autores ou obras, mas a revelação do olhar agudo daquele que os vê. Neste ponto, Bellour atingiu plenamente seus objetivos: a inteligência do crítico brilha acima de todos os seus objetos de estudo.

Lúcia Nagib é professora de cinema da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora de, entre outros, "Nascido das Cinzas - Autor e Sujeito nos Filmes de Oshima" (Edusp).

Folha de São Paulo

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