domingo, 19 de abril de 2009

EDUCAÇÃO NÃO É PRIVILÉGIO


Ensino e democracia

Sonia Alem Marrach
EDUCAÇÃO É UM DIREITO - ANÍSIO TEIXEIRA

estas obras de Anísio Teixeira publicadas pela primeira vez em 1957 e 1968, respectivamente, estas obras de Anísio Teixeira trazem o vigor do pensamento de um dos maiores educadores brasileiros, cujo trabalho representa um divisor de águas na história da educação deste país. Nascido no interior da Bahia, Anísio Teixeira (1900-1971) formou-se em ciências jurídicas e sociais pela Universidade do Rio de Janeiro. Doutorou-se em educação pela Universidade de Colúmbia, onde conheceu a pedagogia da Escola Nova do professor John Dewey (1859-1952), que tanto influenciou seu trabalho.
De volta ao Brasil, destacou-se como reformador da educação, no período de 1930-60. Foi diretor geral da Instrução Pública da Bahia (1924-28), diretor do departamento de Educação do Distrito Federal, entre 1931 e 1935, quando reformou o ensino primário e criou a Universidade do Distrito Federal, onde foi professor de filosofia da educação. Seu projeto democrático de educação inspirou os artigos sobre ensino das Constituições de 1934 e 1946. Em 1947 foi conselheiro de educação superior da Unesco. Nos anos 50 e 60, liderou o grupo progressista de trabalho sobre Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e foi reitor da Universidade de Brasília.
A forma de seus livros traz a marca do homem público. "Educação Não É Privilégio" e "Educação É um Direito" reúnem textos em que o mestre defende uma pedagogia moderna, centrada no desejo do aluno, no ensino ativo e participante. Anísio lutou pela escola pública comum, que seria um verdadeiro ensaio de vida democrática. Uniu assim os princípios da Escola Nova aos do liberalismo democrático que, entre os anos 30 a 60, estava comprometido com o planejamento social e voltava-se para a reconstrução educacional.
Há uma questão central atravessando os dois livros, a saber, a da construção de uma sociedade democrática num país em que o povo assistiu bestializado à proclamação da República. Como se sabe, esta forma de governo exige que o povo assuma o papel de protagonista da história. Para Anísio, a educação é o único meio capaz de transformar o povo bestializado em ator principal dos acontecimentos; é a única forma de criar cidadãos capazes de cuidar da coisa pública e de construir uma sociedade verdadeiramente democrática.
Anísio parte do princípio de que a democracia precisa de mais do que respeito às regras do jogo formal. A liberdade de expressão e a liberdade política são essenciais à vida democrática moderna. Contudo, inculto e despolitizado, um povo pode facilmente se tornar massa de manobra. Por isso, para o educador, a educação básica é condição fundamental para o florescimento das liberdades individuais e públicas e da sociedade democrática.
"Educação Não É Privilégio" mostra que a República selou uma série de mudanças na sociedade brasileira: a abolição da escravatura, o trabalho assalariado, o início do processo de industrialização, a urbanização. A educação, porém, continuou elitista e seletiva como no Império, provocando um descompasso entre educação e sociedade, e motivando o aparecimento do Movimento Renovador da Educação. O movimento cresceu durante as décadas de 20 e 30 e culminou em 1932 com a publicação do "Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova", redigido por Fernando Azevedo e assinado por diversos intelectuais, entre os quais Anísio. O "Manifesto" propunha a criação de um sistema brasileiro de educação pública e gratuita, com ensino básico para todos, escola secundária múltipla e universidade voltada para a formação de professores e pesquisadores comprometidos com as necessidades do desenvolvimento nacional.
Mas a política educacional dos anos 30 e 40 desfigurou os ideais do Movimento Renovador. Apesar da ampliação do número de escolas primárias, manteve o elitismo e o caráter dualista do sistema educacional, direcionando o ensino secundário e superior para a elite e relegando a escola de primeiras letras e o ensino técnico aos pobres, de modo que a educação acabou contribuindo para manter privilégios e desigualdades.
Embora não proponha o monopólio da educação pelo Estado, como bom escolanovista liberal-democrático, Anísio parte do princípio de que a "Educação É um Direito". E sabe que tal princípio só poderia realizar-se plenamente na escola pública, capaz de garantir um programa de formação comum e sem preconceitos. A escola privada ficaria para os que a desejassem, por livre escolha.
"Educação É um Direito" parte de duas premissas democráticas. Primeira, a da confiança nos seres humanos. Se todos são inteligentes, podem participar da sociedade. Segunda: na complexa sociedade moderna, é preciso criar condições sociais para que haja uma convivência pacífica entre os cidadãos. Este é o papel do Estado. Para o crítico do "laissez faire" que foi Anísio, o Estado é a "organização do público". Portanto, é dever do Estado garantir a escola pública, já que esta é um instrumento da "integração e da coesão da grande sociedade". Conforme aprendera com Dewey, o direito à educação garante a igualdade de oportunidade dos indivíduos na sociedade.
Em suma, a proposta de Anísio é esta: dar educação comum para todos, já que democratizar a educação é universalizar a escola básica e também, progressivamente, os diversos graus de ensino. Para o educador, entre as liberdades individuais e as liberdades políticas é preciso que haja escola pública, difundindo novos métodos de pensamento e conhecimentos necessários ao desenvolvimento da sociedade tecnológica e da República democrática.
Em "Educação É um Direito", o leitor encontrar ainda um plano de administração e financiamento da escola brasileira, com base na Constituição de 1946. Uma discussão sobre organização e autonomia da escola no Estado da Bahia, datada de 1947. E o anteprojeto da lei orgânica de educação e cultura daquele Estado. Nestes textos, Anísio reafirma a idéia de autonomia da escola pública. Mantida pelo Estado, ela recebe uma multiplicidade de influências e mantém forte vínculo com a comunidade, onde reside o impulso vital do processo educativo.
Sonia Alem Marrach é professora de história da educação brasileira na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário